15 anos de carreira

Bia Crespo
5 min readAug 26, 2020

Um trambique pra me livrar do zero em Biologia iniciou minha carreira no cinema.

Graças a uma amiga da época da escola que apareceu no Facebook essa semana (um beijo, Stella!), fui vasculhar meus vídeos da época da escola que, felizmente, subi no YouTube em seu ano de estreia. Para minha surpresa, o primeiro curta que produzi foi “lançado” em Agosto de 2005, me tornando uma experiente profissional com 15 anos de carreira.

Filmados com uma câmera mini-DV que ganhei quando fiz 15 anos, foram mais de 30 curtas-metragens que retratam momentos icônicos do ensino médio: a quadrilha do terceirão na festa junina, o retiro de fim de ano no sítio das freiras, pegadinhas entre alunos na sala de aula, video cassetadas, amigo-ovo de páscoa, retrospectiva do ano e por aí vai. No meio disso tudo, alguns projetos que eu escrevi, dirigi, montei e até atuei. Mas como foi que saltei do mundo dos documentários realistas para os arcos dramáticos da ficção?

Eu não queria ficar de recuperação em Biologia.

Logotipo da minha produtora da época da escola, a Oompa Loompa Filmes.

Em minha defesa, o trabalho designado pelo professor era complexo: durante 6 meses, os alunos deveriam analisar as diversas fases de uma árvore. Observações científicas mapeariam o nascimento das folhas, das flores e dos frutos, numa belíssima celebração acadêmica da mãe natureza. O problema é que eu só lembrei da existência desse trabalho na semana anterior à apresentação, quando o professor anunciou a ordem dos grupos. Composto integralmente por pessoas de humanas, meu grupo não dava a mínima para Biologia.

Dominadas pelo pânico diante da recuperação iminente, caminhamos até o McDonald’s para afogar nossas mágoas. Se ao menos tivéssemos alguma coisa para apresentar — qualquer coisa — talvez a atenção do professor fosse desviada da ausência de dados científicos na parte teórica. Decidimos escolher uma árvore qualquer e tirar umas fotos meio artísticas. Talvez abraçando o tronco? Viva a natureza.

Eu estava falando sério quando sugeri abraçar a árvore.

Na rua de trás da escola, nos deparamos com uma pitangueira gigantesca, toda carregada de frutos. Era a protagonista perfeita. Peguei minha câmera mini-DV — que também aceitava cartão de memória de até 36GB — e comecei a fotografar minhas amigas em poses idílicas ao lado da árvore. De repente, um senhor saiu de dentro da casinha que ficava ali na frente e começou a contar detalhes sobre a planta.

Qual é a única coisa que pode ser melhor que uma foto? Um vídeo. Na hora tive a ideia de fazer um documentário. Entreguei a câmera para uma amiga e me coloquei ao lado do senhor, como se fosse uma repórter. Pedi pra ele contar a história de novo e fiz algumas perguntas que tinham a ver com nosso trabalho de Biologia. Ele devia ter mais de 70 anos e morava lá há 23. Tinha acompanhado aquela pitangueira desde que ela tinha 2 anos de idade. (Essa parte eu não lembro se é verdade ou se inventei na pós.)

Eu, com 16 anos, dando instruções de câmera enquanto entrevistava Seu Francisco.

Passamos a chamar o senhor carinhosamente de Seu Francisco, em homenagem ao filme Dois Filhos de Francisco, que tinha acabado de sair. E o projeto ganhou o inspirado título Uma filha de Francisco. No McDonald’s, sugeri da gente fazer um documentário fake. Usando o depoimento do Seu Francisco para “azeitar” o professor na apresentação, depois era só jogar algumas informações sobre o ciclo da árvore retiradas do livro de Biologia. A Stella era boa de desenho e poderia ilustrar todas as fases. Isso mostraria comprometimento e inovação, afinal foto qualquer um poderia tirar, não é mesmo? Sem vergonha nenhuma de ser apelonas, fizemos um cartaz que dizia “Petuccão, nós te amamos” (Petucco era nosso professor da matéria) e tiramos uma foto com ele na frente da árvore.

Uma das fases da pitangueira retratada pela artista. Lápis de cor sobre papel A4, 2005.
O importante é tirar 10

Passei o fim de semana montando o filme no Windows Movie Maker. Aprendi a usar todos os efeitos de transição que estavam disponíveis na época. Mas a grande lição desse processo todo foi a dramaturgia: eu aprendi a contar uma história através de imagens.

Como sempre tive uma veia melodramática, o final do vídeo é um clipe mesclando fotos nossas abraçando a árvore, takes do Seu Francisco sorrindo em câmera lenta, closes artísticos das folhas e imagens de pitangas tiradas do Google ao som de “As Cores do Vento”, da Pocahontas.

Interessadas pela árvore de forma completamente realista.

O sucesso do filme foi estrondoso. Todos se divertiram, aprenderam e se emocionaram com a história (falsa) de Seu Francisco e sua pitangueira. Sem perceber, acabamos criando uma revolução na forma de apresentar trabalhos escolares, que até então ainda eram feitos com cartolina e réguas de letras. Alguns se arriscavam no PowerPoint, mas ninguém jamais tinha ousado fazer um filme. A partir daí, eu nunca mais parei: todos os meus trabalhos até a formatura foram feitos em vídeo, uma desculpa pra que eu pudesse criar novos roteiros, novos cenários e novas histórias. E estou até hoje fazendo isso.

Se o professor Petucco descobriu nossa enrolação, jamais fiquei sabendo.

“Uma Filha de Francisco”, dir. Bia Crespo. Agosto/2005.

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