A dramaturgia que a gente nem sabia que queria, mas precisava

Bia Crespo
4 min readFeb 22, 2021

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Como o BBB está colocando em evidência uma vontade da audiência ignorada por roteiristas, produtoras e players há quase duas décadas: as pessoas não querem ver na tela o que elas são, mas o que elas gostariam de ser.

Amando ou odiando o programa, não dá pra negar que a nova versão do BBB é um tremendo sucesso de audiência. Desde o ano passado, quando a produção adicionou gente famosa à casa mais vigiada do Brasil, a dinâmica interna mudou e caiu novamente no gosto do público, que já estava meio cansado da mesmice das 19 edições anteriores, povoadas por modelos desconhecidas e crossfiteiros anônimos.

Entretanto, o que podemos perceber nas edições 20 e 21 é que os famosos raramente caem no gosto do público. Na atual versão do programa, eles encabeçam a gangue dos vilões da história. Se uma casa cheia de anônimos era chata e uma cheia de famosos é apelativa (vide A Fazenda), como o BBB conseguiu encontrar a equação perfeita?

A resposta está na dramaturgia.

Fiquei pensando nisso quando, mais uma vez, liguei o Click para ver o resumo da noite passada no programa. Eu comecei a ver o BBB 21 em uma tarde quente de sábado, incapaz de me levantar para fazer qualquer coisa, impedida pela pandemia de sair de casa. Era a primeira semana do programa e eu decidi colocar a câmera ao vivo só para ver o que estava acontecendo. E nunca mais desliguei (assim como aconteceu recentemente com o gringo Lewis).

Eu já estava sentindo esse buraco na programação há algum tempo. Sabe aquela série que a gente procura pra assistir antes de começar o dia, ou na hora do almoço, ou no intervalo do lanche da tarde? Todo mundo conhece esse desejo: a procura por uma coisa leve, que não requer muita atenção, e que nos deixe com uma sensação de leveza no final.

Mas onde estão essas séries? Aqui em casa são cinco assinaturas de streaming diferentes e, ainda assim, tenho dificuldade de encontra-las. Quando acho, acabo em um fim de semana, e a nova temporada só vai sair no ano seguinte. O que “sobra” são as séries premium, foda, muito bem escritas, dirigidas e atuadas, com uma fotografia linda e efeitos especiais incríveis. Só que elas tem um pequeno problema: elas não são muito otimistas.

É uma tendência desde os anos 2000 contar histórias de anti-heróis. Nada mais natural, depois de anos de melodrama clássico, inverter as expectativas e colocar em evidência pessoas cheias de conflitos e dualidades. Isso realmente trouxe uma profundidade maior para as séries e inaugurou o que muitos chamam de Era de Ouro da Teledramaturgia, com obras clássicas como Sopranos, Mad Men, The Wire, Breaking Bad. Essa textura dramática atingiu também comédias como The Office, Broad City, Please Like Me e Fleabag. E o que todas essas séries tem em comum?

Seus protagonistas são pessoas horríveis. Detestáveis. Cheias de defeitos. Em resumo: gente como a gente.

É inegável que esse realismo na dramaturgia trouxe muito mais verdade e maturidade para a narrativa até então superficial dos produtos televisivos. No entanto, me pergunto muito humildemente: será que não passamos um pouco do ponto? Será que precisamos mesmo que tantas séries mostrem a vida como ela é, e não como gostaríamos que fosse?

A pandemia trouxe uma dura realidade que não está nem perto de terminar e estamos vendo isso se refletir na procura por entretenimento de escapismo. Como roteirista, vejo a demanda constante das produtoras e players por comédias leves, romances com final feliz e outras histórias que tragam um pouco de esperança aos espectadores. Ainda há uma grande procura por tramas densas, porém histórias protagonizadas por pessoas agradáveis e divertidas começam a despontar no fim do túnel.

E aí que entre o BBB, com a genialidade do seu casting e da sua edição precisa. Diferente de tantas séries ficcionais realistas, o BBB, que supostamente é um retrato da realidade, trouxe heroínas idealizadas e vilãs aterrorizantes para o convívio diário do público.

Juliette, que até agora é a participante que mais ganhou seguidores no Instagram, coloca no chinelo heroínas clássicas de novelas dos anos 70 e protagonistas de filmes da Disney. Com seu jeito honesto, justo e divertido, ela poderia ser a personagem principal de uma história do Walcyr Carrasco, ou mesmo um cover da Bela, de A Bela e a Fera. É a pessoa que não tem medo de ser do jeito que é, sem se preocupar em criar uma persona para agradar aos outros e, por isso, é excluída. Mas tem uma fé inabalável de que, um dia, vai ser celebrada como merece.

Juliette é a perfeita heroína da Disney dos anos 1990: até cantar ela canta

Já Sarah faz o tipo séria e jogadora, uma verdadeira mastermind do bem dentro do jogo. Apesar de deixar bem claro quem são seus aliados, ela mantem os inimigos próximos, evitando se envolver em brigas — a não ser que seja provocada primeiro. No Jogo da Discórdia da última semana, ela foi uma das mais apontadas como sem chance de vencer. Aqui fora, a situação é bem diferente: Sarah é considerada a maior estrategista dentro da casa, e provavelmente será a responsável por levar o trio de heróis formado por Gil, Juliette e ela própria à final.

Assim como a Elsa do Frozen, Sarah está disposta a esconder seus sentimentos — mas, quando ela revelar seus verdadeiros poderes, não vai sobrar nenhum inimigo no jogo.

Vou deixar para o Twitter traçar outros paralelos, porque comparações é que não faltam. A vontade que sinto de ver Sarah, Juliette e Gil triunfarem é algo que não sentia há muito tempo vendo séries ficcionais. Será que estamos produzindo o conteúdo que as pessoas querem ver? Ou melhor: será que fomos rápidos demais ao descartar o melodrama clássico de nossas narrativas e considera-lo totalmente ultrapassado?

Fica a reflexão.

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