A dramaturgia que a gente nem sabia que queria, mas precisava — parte 2

Bia Crespo
5 min readMar 9, 2021

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A saga das reviravoltas do BBB continua, mas a teoria aqui proposta segue firme e forte.

Duas semanas atrás eu escrevi uma reflexão sobre a dramaturgia clássica do BBB 21 e os motivos pelos quais ela merece atenção também no campo da ficção. Como tudo na sociedade contemporânea, esse texto já está ultrapassado, por isso decidi escrever uma segunda parte para acompanhar os desdobramentos do programa.

Parece que o jogo virou, não é mesmo?

Sarah, que eu comparei a Elsa do Frozen, se revelou um verdadeiro Hans — um príncipe com todas as características de encantado, mas que, da metade para o final, descobrimos ser o grande vilão do filme. Confesso que fiquei triste e bastante decepcionada, afinal ela tinha minha torcida junto com Gil e Juliette (agora só sobrou a última no meu pódio dos sonhos). No entanto, suas ações dentro e fora da casa não deixam dúvidas: Sarah é a atual antagonista do programa.

Mas por que será que isso aconteceu?

Porque tiramos do jogo, ainda no primeiro mês, a Master Boss Rainha do Mal Karol Conká.

Não vou entrar no mérito dos abusos psicológicos cometidos por ela porque acho que no fim tudo se acertou e ela foi punida pelo Tribunal do Povo. Lucas deixou o programa na hora certa, se livrando de um ambiente tóxico antes que acabasse com ele, e agora está recebendo aqui fora o reconhecimento que merece. Tampouco sou a favor do linchamento virtual de Karol; isso faria tanto sentido quanto agredir Renata Sorrah por ter interpretado Nazaré Tedesco.

No entanto, uma coisa é inegável: depois que ela deixou o programa, o jogo se desfez completamente. E vivemos duas semanas do mais puro marasmo. Ela movimentava o programa com suas maquinações, suas alianças, suas histórias inventadas, suas fofocas… Uma vilã clássica e autodeclarada que o Brasil amava odiar. E o Brasil, como falei no texto anterior, não está preparado para abrir mão de duas coisas: um ódio eterno e um amor absoluto.

Se Karol não está mais lá, é preciso encontrar outra pessoa para assumir seu lugar. O povo e a dramaturgia se encarregam disso mais cedo ou mais tarde. Projota foi o primeiro candidato, perspectiva no mínimo irrisória considerando que ele e Arthur mais parecem uma versão live action de Pink e Cérebro. Acho um desrespeito com o legado de terror da Karol terem considerado essas pessoas. Ela podia ser muitas coisas, mas é inegável que era extremamente inteligente dentro do jogo, tanto que conseguiu unir um grupo enorme de seguidores que foi hegemônico nos primeiros dias de BBB. A única pessoa que mostrou mentalidade estratégica suficiente para competir com ela foi Sarah, eleita a heroína do programa quando eliminou Nego Di e Karol em semanas consecutivas.

Mas é por isso que os filmes geralmente terminam nessa parte, rs.

Ou você morre como herói, disse Harvey Dent em O Cavaleiro Das Trevas, ou vive o bastante para se tornar o vilão.

Foi uma rápida viagem do apogeu ao declínio, acompanhando a velocidade vertiginosa em que as coisas acontecem no nosso tempo. Assim que foi sucedida pelo tedioso reinado do líder João, Sarah começou a repensar suas alianças e se aproximou cada vez mais dos homens brancos héteros cis da casa. Pensando bem, já havia um indicativo de que isso estava acontecendo quando Sarah ganhou a liderança e escolheu para o VIP uma lista enorme de homens, deixando sua suposta amiga Juliette em último lugar.

Me surpreende saber que Sarah, inteligente e estrategista como é, não percebe a força de Juliette dentro do programa. Não é de hoje que a garota “esquisita” (ainda que dentro de todos os padrões possíveis) e engraçada cai nas graças do público, mesmo que não tenha muita habilidade de jogo. E, convenhamos, quem é que quer ver jogo? Eu quero ver barraco, confusão, bem contra o mal, final feliz. Acho um tédio quando eles ficam falando sobre votos e movimentos e possíveis paredões — e pelo visto o Brasil concorda comigo, já que Juliette, uma das poucas que tem outros assuntos dentro da casa, está cada vez mais popular entre a torcida.

Coincidentemente ou não, Sarah decidiu se posicionar contra Juliette na mesma semana que revelou gostar de Bolsonaro, e que o deixou de seguir no Instagram antes de entrar no programa por recomendação da sua assessoria. Outra inconsistência de personagem: por que ela falaria isso dentro da casa se o intuito do unfollow era justamente que ninguém ficasse sabendo? Mas a máscara, meus amigos, é pesada… E, depois de 45 dias, ela começou a ruir. Nem mesmo a mestre das estratégias que quase quebrou o BBB foi capaz de segurar a barra que é gostar de quem não deve.

Se Juliette já era candidata a princesa Disney, essa semana ela foi consolidada como grande heroína do programa. Ficou doente, recebeu de Arthur o pior Monstro da edição depois de oferecer um ombro para que ele chorasse, passou 5 horas a mais que o colega Fiuk cumprindo a punição, ficou sem comida porque ninguém sabia fazer arroz (e não fugiu da briga para preservar possíveis alianças, como os outros geralmente fazem), e defendeu Carla Diaz dos constantes ataques machistas que sofre de Arthur, Projota, Caio e Rodolffo, perdendo definitivamente a confiança de seus maiores aliados: Sarah e Gil. Para completar, ontem ficou totalmente isolada durante o Jogo da Discórdia, quando todos os participantes declararam seu maior aliado e ninguém citou o nome dela.

Está feita a fórmula perfeita da jornada do herói. Todo mundo (salvo a turma Do Contra do Twitter) quer ver Juliette dando a volta por cima e ganhando o programa, de preferência humilhando Sarah no caminho. Juliette está chegando no nível Lurdes (de Amor de Mãe) de mocinha mais sofrida & amada do Brasil.

Em resumo: não existe vilã sem mocinha ou mocinha sem vilã. O povo clama pela polarização. O público quer lados claros, quer escolher sua torcida, quer ter razão no final. A ascensão de Sarah ao posto de nova antagonista do país só confirma isso, e pode ter certeza que se Sarah sair antes da final alguém vai assumir esse posto.

Minha colega roteirista Ju Koch comparou Sarah à Flora, da novela A Favorita, o que reforça bem essa teoria. A novela começou com uma proposta muito interessante de não revelar quem era boa e quem era má, deixando para o público escolher se torcia por Flora (Patrícia Pillar) ou Donatella (Cláudia Raia). Foi um fracasso de audiência. As coisas só voltaram a funcionar quando Flora assumiu seus crimes e se tornou uma das maiores vilãs da dramaturgia brasileira.

Reforço então o que falei no outro texto: não estou dizendo que precisamos seguir o 8 ou 80, que temos que definir exatamente quem é bom e quem é mau sem nuances ou defeitos. Eu apenas acredito que temos personagens de mais na “zona cinza” e de menos nos opostos clássicos da narrativa. Um pouco de previsibilidade não faz mal a ninguém, ainda mais nesse período nefasto que vivemos. Vocês não sentem falta de assistir a um filme ou série já sabendo como vai acabar, só pela satisfação de ver o herói vencendo? Eu sinto. De sofrimento, já basta a realidade em que estamos vivendo. Às vezes acho que vale sacrificar a surpresa em nome da satisfação e do final feliz. Não é à toa que se chamam contos de fadas e não contos de humanos.

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