A dramaturgia que ninguém queria (e nem precisava)

Bia Crespo
4 min readMar 29, 2021

O BBB 21 acabou e agora estamos vendo as sequências baratas que nunca vão chegar aos pés do filme original.

Não é obrigatório, mas recomendo a leitura dos meus textos anteriores sobre o BBB 21 antes de ler esse aqui: a dramaturgia que a gente nem sabia que queria, mas precisava — partes 1 e 2.

O que esses filmes tem em comum com o último mês de BBB? Nenhum deles deveria existir

Já faz algumas semanas que eu tenho me sentido estranha. Minha rotina mudou, minhas vontades também, e o mau humor está cada vez mais presente. Estou, finalmente, de volta ao mundo real, já que meu entretenimento mais intenso desde o começo do ano falhou comigo — e com todos nós. Não tenho mais ânimo pra ficar acordada até tarde vendo festas, votações, provas e eliminações. Não sinto mais vontade de abrir o Twitter pra ler as novidades assim que acordo. Os canais do pay per view foram substituídos pelos programas do GNT na playlist constante da TV de casa. Até as notícias do BBB no Instagram tem me deixado meio desanimada. E aí bateu a realização: o programa acabou há mais de um mês e ninguém percebeu.

O BBB 21 acabou quando Karol Koncá, a grande vilã da edição, foi eliminada com recorde de rejeição depois de uma indicação certeira da então jogadora mais habilidosa da casa (Sarah) com ajuda de seus fiéis escudeiros e alívios cômicos Gil e Juliette. Depois disso, estamos assistindo às sequências baixo orçamento do filme clássico que foram lançadas direto em VHS.

Em termos de estrutura clássica, o primeiro mês de BBB se encaixa direitinho nos três atos de um filme de aventura: primeiro, temos a "ditadura do mal" (Karol, Nego Di, Projota, Lumena) reprimindo e subjugando o vilarejo. Vítimas fatais ocorrem para reforçar a vilania deles (Lucas), tornando a necessidade de heróis ainda mais clara. Há apenas uma pessoa com habilidade o suficiente para acabar com os vilões (Sarah), mas ela resiste ao chamado: “não foi pra isso que eu vim, essa não é minha missão!” Nessa altura, não sabemos muito sobre o passado dela — é melhor assim. A heroína flerta com alianças duvidosas (Caio e Rodolffo), porém acaba escolhendo as certas: os sidekicks carismáticos (Gil e Juliette) que estão lá para dar um toque de humanidade à heroína estoica. Sarah é coragem, Gil é cabeça e Juliette é coração. Juntos, são imbatíveis.

No segundo ato vemos os momentos mais divertidos da história (fun and games), principalmente na trama B dos coadjuvantes. Uma pequena vitória: Nego Di é eliminado. Será que existe uma chance das coisas se resolverem naturalmente? Resposta: não. Isso fica claro no midpoint controverso em que a chefona dos vilões (Karol) parece prestes a ser derrubada, mas graças ao Deus Ex-Machina vence a prova do bate-volta e garante sua presença na casa por mais uma semana. Sarah, Gil e Juliette vão e voltam do paredão o tempo todo. Tudo parece perdido… Até que, depois de uma prova do líder longuíssima e emocionante, Sarah é corada a nova rainha do programa.

Festa no quarto do líder! A calma antes da tempestade. Mas, e agora? E a missão? Sarah se esquiva, diz que vai indicar Pocah, mesmo todos sabendo que ela não é nem de longe a mais malvada entre os arqui-inimigos do grupo. A espada do herói pesa, assim como a coroa do líder, e nessas horas nada melhor do que um Mago Sábio (Fiuk) trazendo informações e poderes especiais que colocam a heroína de volta nos eixos.

O clímax do terceiro ato é a indicação de Karol ao paredão, seguido por sua eliminação histórica. O G3 venceu! A paz se estabelece no reino. Fim do filme, sobe os créditos…

Surpresa! Era um filme da Marvel. Teremos ainda cena pós-créditos, sequências, spin-offs e séries onde tudo será revertido e feito de novo em universos paralelos inimagináveis.

Vocês gostavam da Sarah? Que pena, ela é TERRÍVEL e estava escondendo seu passado por um bom motivo. De qualquer forma, não faz diferença, pois ela não chegará nem ao terço final da franquia (é o Anakin Skywalker do BBB). Era fã do G3? Sinto muito, mas no terceiro filme eles se odeiam. Tem até um universo em que Sarah votou na Juliette e quase colocou ela no paredão, mas Gil a salvou no último minuto (essa foi a melhor das sequências). O pior são os spin-offs dos coadjuvantes… Carla no quarto secreto e depois voltando pra pedir Arthur em namoro sem usar nenhuma informação privilegiada pra jogar (nota 2,7 no IMDb, a mais baixa da franquia, cancelada na primeira temporada); Rodolffo — O Homofóbico Machista Mais Amado do Brasil, muito popular entre apoiadores do presidente; programa de culinária do Fiuk em que ele humilha os convidados que experimentam seus bolos, e por aí vai…

Bom, fiz toda essa graça pra reforçar nossa necessidade de ter mais narrativas clássicas com final feliz, principalmente em tempos nefastos como esse. Um exemplo disso é a recepção morna da fase final de Amor de Mãe, sempre filmada em lugares fechados com tons escuros, que mostra a pandemia como principal evento da narrativa. Não tem um núcleo cômico nem um segundo de paz pros heróis. Completamente sufocante.

O BBB funcionou tão bem no começo como entretenimento porque dava às pessoas o que elas no fundo querem: heróis e vilões. Uma vez que a grande vilã saiu, os mocinhos viraram bandidos, os coadjuvantes sem graça foram ficando e tudo se misturou, confundiu e ficou chato. Alguns dirão “ah, mas a vida real é assim” — concordo, e é exatamente por isso que precisamos da dramaturgia o mais longe possível disso nesse momento.

PS: Um ótimo exemplo dessa dramaturgia leve, divertida e cheia de heróis carismáticos dos quais tanto precisamos é Cabras da Peste, da Netflix.

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