Crítica: Detetive Pikachu

Bia Crespo
5 min readMay 27, 2019
Uma coisa não dá pra negar: ele é muito fofinho

Como qualquer realizadora audiovisual, passei minha vida adulta desprezando críticos de cinema, até que hoje decidi virar um deles.

Não tenho experiência formal nessa área além dos meus quatro anos de Audiovisual na USP, mas percebi que minhas impressões tem destoado do senso comum. Sempre que penso alguma coisa sobre uma série ou um filme, a primeira coisa que faço é procurar na internet alguém que pense da mesma forma, e raramente encontro uma opinião parecida. Sendo assim, acho válido começar a publicar minhas impressões sobre certas obras. Sintam-se à vontade para concordar, questionar ou adicionar.

Vou começar pelo clássico nostálgico Pokémon: Detetive Pikachu, que foi — até certo ponto — aclamado pela crítica e teve um estrondoso sucesso de público. Pegando carona na síndrome de Peter Pan da qual a maioria dos Millenials sofre, o filme tem como alicerce as simpáticas criaturinhas dos jogos japoneses que foram febre nos anos 90/2000. Lembro como se fosse ontem do natal de 1999, quando minha mãe viveu um momento digno do filme Um Herói de Brinquedo tentando achar a fitinhas de Gameboy do Pokémon Red/Blue pra me dar de presente (spoiler: ela conseguiu, e eu me tornei mestre Pokémon aproximadamente 887 vezes).

Basicamente, é isso. Não tem muito mais pra dizer sobre o que é o filme. Assim como fenômenos recentes de bilheteria e/ou público (franquias da Marvel e da DC, Game of Thrones, etc.), Detetive Pikachu não precisa se esforçar para ter uma boa história porque as pessoas vão assistir de qualquer jeito. Elas vão pela grife e pelos efeitos, não pela história.

Eu não acho que as pessoas estejam erradas. Elas querem o que elas querem, e a indústria está dando isso a elas. O que me incomoda é a falta de senso crítico: o que aconteceu com o guilty pleasure? Não tem nada de errado em se divertir com um filme ruim, desde que você tenha consciência de que é ruim. O problema é que as pessoas assistem achando que é a melhor coisa da face da Terra, e passam horas e horas defendendo no Twitter sem nenhum tipo de argumento além do seu envolvimento emocional com a obra.

A maioria das críticas amadoras do imdB sobre o filme começava da mesma forma: “foi uma viagem de volta à infância”, “esse é o filme que eu queria ter visto com 11 anos”, “eu queria morar nesse filme”. Legal, mas… E a trama? O que você gostou na história? Qual cena te fez sentir assim? Não teve nada que te incomodou, ou que você não gostou? Se pudesse mudar alguma coisa no filme, o que seria?

Acho importante a gente se fazer essas perguntas quando assiste a qualquer coisa. Não é uma questão de ser especialista em cinema, e sim de exercitar o senso crítico. Isso serve também pra livros, artigos, posts de Instagram e, principalmente, notícias. A velha história das fake news. Não dá pra gente simplesmente aceitar tudo que jogam diante dos nossos olhos. Tem que discutir, aprofundar, questionar. Mesmo que seja uma mera obra de entretenimento — é uma conversa que você pode ter com seus amigos por cinco minutos num bar ou lanchonete. Não precisa ser uma monografia.

Dito isso, vamos ao problema central do filme: o clímax é um dos mais bobos que já vi. Alguns disseram “ah, mas é um filme pra criança”. Discordo: esse filme foi feito pro público que gostava de Pokémon quando criança, e que hoje em dia tem entre 25 e 35 anos. Crianças são bem-vindas, mas a narrativa inteira é construída para adultos. O próprio Pikachu do título é dublado pelo Ryan Reynolds, o Deadpool, que faz suas deadpoolzices no melhor estilo Ted (o filme do ursinho que fala palavrão). Até o ato final, o filme tem uma narrativa complexa e madura, contando até com piadinhas sexuais que só adultos vão entender.

O conflito final é uma batalha supostamente épica entre Tim, o protagonista, e o vilão, revelado apenas no final. O vilão leva Tim até sua sala, onde não tem sequer UM capanga, e conta todo seu plano maligno: ele criou uma tiara cibernética que transfere seu cérebro para Mewtwo, o Pokémon mais poderoso da Terra, e vai obrigar toda a população a encarnar no corpo de seus Pokémons. Por que? Não faço a menor ideia.

E assim, sem mais nem menos, o vilão coloca a tiara e encarna no Mewtwo. Seu corpo fica lá, inconsciente e totalmente vulnerável, sentado em uma cadeira usando a tiara. Pra encerrar a conexão entre os dois, basta arrancar a tiara — e é exatamente isso que Tim faz no fim da batalha. Simples assim.

A trama principal gira em torno da relação entre Tim e seu pai, que supostamente morreu em um acidente de carro. Tim se junta ao Pikachu do pai para encontra-lo, até que descobre que a mente do pai estava dentro do Pikachu esse tempo inteiro (vamos dar um desconto para o fato de que Tim não reconhece a voz ou personalidade do pai em nenhum momento). Mewtwo diz no fim do filme que colocou o pai “dentro” do Pikachu para salvá-lo após o acidente, porém na cena seguinte o pai aparece em seu corpo humano ao lado do Pikachu. Que? Pois é, também não entendi. Não faria muito mais sentido o Pikachu continuar sendo o pai, cujo corpo supostamente “morreu” no acidente?

Mas a pior parte são as personagens femininas. Bato nessa tecla o tempo inteiro e vou continuar batendo a vida toda se for preciso: qual é a dificuldade de colocar personagens femininas em um filme de ação? Por que é tão difícil? Por que o protagonista, o vilão, o mentor, e até Pokémon precisam ser do gênero masculino? É simplesmente inadmissível que, em plena metade de 2019, a gente esteja vendo um filme cujas únicas personagens femininas são 1. o interesse amoroso do protagonista (que é uma Manic Pixie Dream Girl, claro); 2. uma capanga do vilão que não tem sequer uma fala; 3. uma cientista que aparece por 2 minutos em um flashback e morre; e 4. a mãe que está morta já no começo do filme.

Não preciso nem dizer que o filme não passa no teste de Bechdel, né? Ele nem sequer tenta. Ironicamente, pesquisas indicam que 63% dos jogadores de Pokémon Go são do gênero feminino. No cinema onde eu assisti ao filme, provavelmente metade dos pagantes eram mulheres. No próprio jogo original do Pokémon, lááááá nos anos 90, mulheres eram chefes de ginásio e compunham metade da Elite 4, o desafio máximo que um treinador podia enfrentar. Elas tinham papéis de destaque.

E ninguém parece estar falando sobre isso. Nenhuma das críticas que li abordava esse assunto — não coincidentemente, todos os críticos eram homens. Assim como pouquíssimas pessoas (inclusive mulheres) parecem se importar com o fato de termos tão poucas heroínas da Marvel ou DC com filmes próprios, ou o fato de que elas não têm papel de destaque entre os Avengers se comparadas aos personagens homens. Só a bolha feminista/intelectual falou sobre a feminilidade tóxica em Game of Thrones. A meu ver, essas críticas são bastante óbvias. Não é preciso ser um estudioso da área pra perceber que a representação feminina é deficiente e problemática nessas obras.

Minha reflexão final é um apelo aos fãs: façam um esforço para ver além do amor pela franquia. Não precisa parar de assistir, não precisa parar de gostar, mas não deixem que elas pensem por vocês.

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